sexta-feira, 13 de março de 2009

À medicina - Dr. Adolfo Lerner

Quem sabe, o fenômeno mais assustador da atualidade seja a inconsciência. Massas crescentes de indivíduos passam suas vidas bombardeados pelos mecanismos da propaganda. Esta, instrumento do capital no mundo ocidental e das minorias totalitárias em grande parte dos demais países, acompanha o indivíduo do berço ao túmulo. De forma traiçoeira, insidiosa e às vezes até desfrutável, a propaganda serve ao interesse de seus mestres, formando gostos, teorias, estéticas e até filosofias que nada têm a ver com as necessidades internas e individuais de cada um.

Não se procura através de uma análise cuidadosa, introspectiva e profunda de cada coisa avaliar os caminhos a ser seguidos, as escolhas preferidas, as tentativas a ser feitas. Parece à grande maioria que essas já vêm predeterminadas por alguma coisa maior e imponderável que se expressa a todos os momentos, sem cessar pelos meios de comunicação.

Poucos se perguntam quem são, como devem agir, que decisões tomar. Paira uma autoridade a ditar condutas e a usar uma abordagem técnico-cientifica que, pelos falsos “milagres” que consegue, causa a impressão de ser todo-poderosa. O capital e as minorias muitas vezes manipulam a ciência, usando-a para subjugar o individuo a seus interesses, aliená-lo de si próprio e do mundo. Todos se voltam para fora em busca de soluções milagrosas, de modo de agir, de pensar, de viver e até de morrer. Esta sombra escurece o destino individual, se estende e modifica todas as atividades do homem.

A medicina não poderia fugir deste destino. Atividade ancestral e venerável do gênero humano vê-se corroída pelo mesmo fenômeno. O binômio inconsciência individual/interesses minoritários provoca nessa área as mesmas distorções.
O paciente não está atento a si próprio, não tem noção do que se passa consigo mesmo, não procura relacionar sua doença com a sua existência. Nunca interpreta a doença à luz da sua vida e da possibilidade natural de sua morte. Aparece como vítima de um infeliz acaso, que pode arrastá-lo a um fim terrível.

Volta-se para o médico, como para um agente externo que possa efetuar o milagre da cura. Torna-se receptor passivo num processo em que deveria ser essencialmente ativo. Ele, paciente, participa muitas vezes na gênese de sua doença, e da mesma forma deveria participar de sua recuperação. O desequilíbrio saúde-doença deu-se segundo um processo complexo, interno do paciente. A volta ao equilíbrio deve seguir o mesmo caminho.

O médico deveria ajudá-lo a ter forças e meios para obter esse resultado. ajudá-lo a viver e a morrer quando fosse o caso. Aparece então outro pólo do problema: o médico também está envolvido no mesmo processo alienante. Também se desenvolveu no mesmo ambiente espiritualmente sufocante e vive muitas vezes, do outro lado da relação, com a mesma pobreza que o próprio paciente. Não tem, por força da própria formação, os recursos de consciência pessoal e universal sem os quais a pratica da boa medicina se torna impossível por maior que seja a sua excelência técnico-cientifica.

A prática médica torna-se desta forma uma atividade paradoxalmente impessoal.

As minorias interessadas estimulam o enfoque essencialmente tecnológico da medicina que se torna cada vez mais a onerosa, invasiva e iatrogênica. Apesar de todos os maravilhosos progressos que o método científico deu à pratica medica, fica cada vez mais difícil num grande número de casos avaliarmos até onde os benefícios compensam os danos.

A pressão tecnológica faz com que os homens sejam tratados como aparelhos bioquímicos. Faz ignorar a existência individual, companheira inseparável de todos estes “aparelhos” e que representa um outro aspecto do mesmo fenômeno, e que portanto não pode ser esquecido.

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