sábado, 14 de março de 2009

Resenha "O futuro da Humanidade" - Alexey

Título: "O futuro da Humanidade - Dr. Augusto Cury"

Esse foi o primeiro romance de Augusto Cury, psiquiatra, autor de "O vendedor de Sonhos". O livro fala sobre Marco Polo, um estudante de Medicina que não se adapta ao formato atual da educação médica, desde seu primeiro dia de aula, no laboratório de anatomia, onde os outros estudantes começam ter suas mentes cauterizadas. No decorrer de sua vida, o jovem se mostra um verdadeiro aventureiro no oceano das emoções, assim como fora Marco Polo, nos oceanos do mundo. Marco Polo nos ensina filosofia, psicologia e psiquiatria, colocando o paciente em primeiro lugar, entendo a subjetividade e a grandeza de cada ser humano. O livro desafia alguns paradigmas atuais e teorias médico-psiquiátricas, e mostra um grande compreensão dos sentimentos. É, sem dúvida, uma leitura importante para os estudantes de cursos da saúde, na tentativa de fazer-nos mais humanos e menos técnicos; de experimentarmos a felicidade, e não o sucesso profissional; de aprendermos a ouvir, entender, e não só medicar; de sabermos viver, e não de sermos só expectadores do palco de nossas vidas. E assim ajudar aos outros. Lembre-se: Teoria da Co-responsabilidade: todos são responsáveis por tudo o que acontece no mundo e, portanto, pelo futuro da humanidade"

sexta-feira, 13 de março de 2009

À medicina - Dr. Adolfo Lerner

Quem sabe, o fenômeno mais assustador da atualidade seja a inconsciência. Massas crescentes de indivíduos passam suas vidas bombardeados pelos mecanismos da propaganda. Esta, instrumento do capital no mundo ocidental e das minorias totalitárias em grande parte dos demais países, acompanha o indivíduo do berço ao túmulo. De forma traiçoeira, insidiosa e às vezes até desfrutável, a propaganda serve ao interesse de seus mestres, formando gostos, teorias, estéticas e até filosofias que nada têm a ver com as necessidades internas e individuais de cada um.

Não se procura através de uma análise cuidadosa, introspectiva e profunda de cada coisa avaliar os caminhos a ser seguidos, as escolhas preferidas, as tentativas a ser feitas. Parece à grande maioria que essas já vêm predeterminadas por alguma coisa maior e imponderável que se expressa a todos os momentos, sem cessar pelos meios de comunicação.

Poucos se perguntam quem são, como devem agir, que decisões tomar. Paira uma autoridade a ditar condutas e a usar uma abordagem técnico-cientifica que, pelos falsos “milagres” que consegue, causa a impressão de ser todo-poderosa. O capital e as minorias muitas vezes manipulam a ciência, usando-a para subjugar o individuo a seus interesses, aliená-lo de si próprio e do mundo. Todos se voltam para fora em busca de soluções milagrosas, de modo de agir, de pensar, de viver e até de morrer. Esta sombra escurece o destino individual, se estende e modifica todas as atividades do homem.

A medicina não poderia fugir deste destino. Atividade ancestral e venerável do gênero humano vê-se corroída pelo mesmo fenômeno. O binômio inconsciência individual/interesses minoritários provoca nessa área as mesmas distorções.
O paciente não está atento a si próprio, não tem noção do que se passa consigo mesmo, não procura relacionar sua doença com a sua existência. Nunca interpreta a doença à luz da sua vida e da possibilidade natural de sua morte. Aparece como vítima de um infeliz acaso, que pode arrastá-lo a um fim terrível.

Volta-se para o médico, como para um agente externo que possa efetuar o milagre da cura. Torna-se receptor passivo num processo em que deveria ser essencialmente ativo. Ele, paciente, participa muitas vezes na gênese de sua doença, e da mesma forma deveria participar de sua recuperação. O desequilíbrio saúde-doença deu-se segundo um processo complexo, interno do paciente. A volta ao equilíbrio deve seguir o mesmo caminho.

O médico deveria ajudá-lo a ter forças e meios para obter esse resultado. ajudá-lo a viver e a morrer quando fosse o caso. Aparece então outro pólo do problema: o médico também está envolvido no mesmo processo alienante. Também se desenvolveu no mesmo ambiente espiritualmente sufocante e vive muitas vezes, do outro lado da relação, com a mesma pobreza que o próprio paciente. Não tem, por força da própria formação, os recursos de consciência pessoal e universal sem os quais a pratica da boa medicina se torna impossível por maior que seja a sua excelência técnico-cientifica.

A prática médica torna-se desta forma uma atividade paradoxalmente impessoal.

As minorias interessadas estimulam o enfoque essencialmente tecnológico da medicina que se torna cada vez mais a onerosa, invasiva e iatrogênica. Apesar de todos os maravilhosos progressos que o método científico deu à pratica medica, fica cada vez mais difícil num grande número de casos avaliarmos até onde os benefícios compensam os danos.

A pressão tecnológica faz com que os homens sejam tratados como aparelhos bioquímicos. Faz ignorar a existência individual, companheira inseparável de todos estes “aparelhos” e que representa um outro aspecto do mesmo fenômeno, e que portanto não pode ser esquecido.

Ligação anônima - Anônimo

ALÔ COORDENADOR
Cargo novo, calouros novos... Já passou a festa de 20 anos do curso de medicina. O internato tem caras novas, assim como o primeiro ano.
Alguém avisa o coordenador do ..., que o cargo dele já começou também. E quando um aluno fizer reclamações, é dever dele atender a esse aluno, não fazendo sua vontade, mas resolvendo o caso (ou seria caos???).
Inclusive ele é chefe de um dos estágios do internato. Alguém por favor o avise da chefia. Até porque alguns problemas surgiram no seu estágio, mas é como diz a música: "Eu vou deixar a vida me levar, pra onde ela quiser"...
E tem gente que não entende porque o povo de medicina é louco. Buemba, buemba... hoje tem festa? Não, hoje a gente estuda, que amanhã tem prova e seminário.
O chefe disse q vai dar um jeito. Mas acho que deixa pra outra gestão. Enquanto isso, a gente reclama para o padre. Sem nomes. Mas há aluno fazendo o que quer no Posto de Saúde. ALÔôô??? Acho q a ligação caiu.
"colaborador anônimo... isso torna o artigo 'suspeito'? e daí?"

Kant - Bruno Volski

Caramba! Se você quer por a prova sua capacidade interpretativa, experiemente se aventurar pelas paginas da “Crítica da razão pura” ou “Fundamentos da metafísica dos costumes”, muito foda! Mas vamos lá!!!

Kant acredita que os seres humanos são dotados de uma exigência de moralidade, oriunda do juízo prático dos homens, mas ao contrario de Sócrates, não se perde na categorização empírica dos significados (por exemplo do que venha a ser justiça segundo o que pensa a maioria), Kant vai um pouco além.

É através do entendimento da consciência moral que torna-se possível constituir a idéia de bem, sendo este produto da boa vontade, portanto uma pessoa inteligente, culta, de bons modos e paciente, pode ser que não represente o bem, pois pode instrumentar, com tais qualidades, uma intenção perversa. Assim, é na intenção que reside à análise primordial da moral.

Agir a contento com as imposições legais, ou segundo as gentilezas oriundas de comportamentos padronizados, até mesmo a honestidade de um vendedor estimulada pela concorrência de mercado não são sinônimos de moralidade; esta é produto de uma conformação do sujeito à ação que pratica em respeito e afirmação do valor embutido em sua ação, em respeito pelo dever.

Mas Kant não credita ao respeito como o fundamento da moralidade. Estabelece que o imperativo pode ser hipotético, ou categórico. O hipotético é a aceitação do meio para uma finalidade, se o fim deixa de existir, deixa de existir esse imperativo.

Já o imperativo categórico é absoluto, e se estabelece brilhantemente dessa forma: Age unicamente segundo a máxima que faz com que pessoas querer ao mesmo tempo que ela seja uma lei universal. Ou ainda: Age como se a máxima da tua ação devesse pela tua vontade ser erigida em lei universal da natureza.
Kant ainda estabelece outra paulada na nuca: Age de tal maneira que trates a humanidade tão bem na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro sempre ao mesmo tempo como um fim e nunca simplesmente como um meio. (!!!!!)

Assim, tendo princípios fundamentais de moralidade que constitui parte da própria natureza racional, cada ser humano pode estabelecer a legislação de si que seja universal, o que traz o principio de autonomia, e este passa a ser um principio fundamental da vida moral.

Sicko - Bruno Volski

Apesar do formato comercial, o filme “Sicko SOS Saúde”, de Michael Moore, traz um conteúdo surpreendente sobre o sistema de saúde do tio Sam. O filme narra diversas historias individuais sobre as enormes dificuldades que o cidadão estadunidense encontra para obter cuidados em saúde, realmente comovente. Traz uma importante denúncia contra o sistema privado de saúde, mostrando a lógica de mercado que converte saúde em simples mercadoria a serviço do lucro. Mas o filme não se restringe a críticas, também apresenta modelos de sistemas públicos de sucesso, e cria motivações pulsantes para investirmos esforços nos sistemas públicos de saúde.

Patch Adams no Roda Viva - Bruno Volski

Provavelmente a maioria de nós, acadêmicos de medicina, já assistimos ao filme “Patch Adams - O Amor é contagioso”(1998), e certamente nos sentimos bastante estimulados com as experiências do protagonista. Contudo, muito mais empolgante, profundo, e impactante é o verdadeiro Dr. Patch. Para conhecer um pouquinho do brilhante medico recomendamos que assistam a entrevista realizada no programa Roda Viva em 2007, você pode encontrar facilmente no youtube digitando “Patch Adams roda viva”, ou pode solicitar uma cópia conosco (Bruno ou Diego do terceiro ano).

Para conhecer os projetos e trabalhos de Patch, acesse http://www.patchadams.org/ e conheça também o instituto Gesundheit.

Humanismo - Bruno Volski

Mas que diabos é isso?

Mais que simplesmente dizer que a presente gestão do CA é humanista vamos fazer um aprofundamento (dentro dos estreitos limites do espaço e do conhecimento que dispomos), e aproveitamos para divulgar esse ideal.

Para uma análise mais acertada da profundidade do tema teríamos que partir dos filósofos pré-socraticos, passando por Sócrates, Platão, Aristóteles, chegando finalmente em Cristo, atravessando atentamente a idade média, e teríamos que seguir minuciosamente observando a renascença, atentar as proposições socialistas, e embrenhar-se no existencialismo, um caminho com, talvez uma centena de grandes personalidades, e uma infinidade de anônimos, mas que, por excelência, foram indispensáveis para todo o processo histórico. É claro que não temos espaço para tanto, portanto, desculpem-nos a redução do tema.

Humanismo, do ciceroniano “humanitas”, pode ser entendido como cultura, erudição, dignidade, comportamento correto e civil. O surgimento, propriamente dito, do humanismo se deu no inicio da idade moderna, no renascimento, sob o contexto de busca pelo antigo, de criação do novo e de valorização do homem; podemos distinguir dois aspectos (porem, não separá-los), o filológico, que limita-se à busca pelas realizações da antiguidade, e o aspecto filosófico, que centraliza o homem como base para a compreensão do universo.

Bem, vamos então ao que interessa para este pequeno espaço.

Se pudesse sucintamente descrever o humanismo hoje, diria simplesmente: é a doutrina que estabelece o ser humano como finalidade e não como meio. O ser humano, esse agregado psíquico, biológico, social e espiritual, consegue estabelecer apreciações de si, do próximo e da natureza de maneira distinta dos demais seres, compondo uma capacidade abstrativa e criativa inigualável, tornando-se apreciável, e como tudo que é apreciável constitui valor (apesar do valor não ser constituído somente pelo que é apreciável), o ser humano torna-se um valor, sendo algo que se compõe como desejável ou amável.

Por não constituir meio, mas sim fim, além de se estabelecer como valor, o homem se estabelece como valor absoluto, o que não significa que seja o absoluto.

Um valor, alem de não poder ser lesado, deve ser afirmado; desdobrando para efeito prático: muito alem de não ser nocivo ao ser humano é fundamental um movimento ativo no sentido de promovê-lo. Dentro da promoção do individuo creio que o amor é a forma mais valorosa nesse intento.

Como amor, entendemos toda ação que se dirige ao próximo no sentido de promover o sujeito dentro de sua singularidade, disposto a destacar e potencializar a experiência alheia, proporcionando ao ser despertar para o valor de si. O amor “incondicionaliza” as relações, e para não estabelecer condições para se relacionar é fundamental aceitar a singularidade do individuo em suas diversas disposições em apresentar a própria profundidade de si, para tanto é empático (na próxima edição discutiremos a empatia).

Para quem ama, sente a realização como ser humano, pois tendo como propriedades espirituais a comunicação, a interação, a socialização, deve ofertar aquilo que lhe é intrínseco em essência para se ser, assim, na medida que ama se afirma como humano.

Já para o sujeito que recebe o amor, experiencia o valor que a si atribui, e sentindo-se aceito encontra coragem para se Ser, e é nesta ultima ação, que o estado de plenitude pode ser atingido (estado dinâmico, que será discutido também na próxima edição).

E agora galera? Em medicina como é que fica nessa parada toda?

Fica em todo o lugar. O próprio conceito mais abrangente de saúde que diz ser o estado que faculte a liberdade ao sujeito tanto nos aspectos psíquicos, biológicos, sociais quanto espirituais, pode ser corroborada com a ação humanista, na medida que promove o sujeito em sua autonomia e autonomia faculta a liberdade que por sua vez garante a saúde.

“... se querer o outro como fim é amá-lo, querer o outro como fim é querer sua máxima realização. Realização plena de suas faculdades, de suas potencialidades, de suas aspirações. Realização plena, sobretudo, de sua liberdade, que é a característica e, num certo sentido, o constituinte da pessoa.” Pedro Dalle Nogare

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Nas linhas de frente - Bruno Volski http://discipulodesi.blogspot.com/

Quando mencionaram violência sexual já me bateu um mal estar mesclado com tristeza, nada de raiva, nem muitas palavras na mente, só esse sentimento. Esfreguei a mão na cabeça enquanto contraria a musculatura da testa, formando algumas rugas, os olhos se detinham fechados durante a ação.

Ao falarem a idade da criança eu fechei a mão com chumaço de cabelo preso entre os dedos, e numa inspiração profunda puchei enquanto fechava os olhos com mais força desfazendo as rugas da testa.

Era a reunião de sexta-feira no hospital, uma supervisão onde discutíamos os casos atendidos no projeto de psicologia hospitalar. Sempre que não tínhamos aulas de patologia na sexta íamos nessa supervisão, eu e o grande amigo Marco, e quase sempre em silêncio, produzido pela vergonha e insegurança de estar em um campo de estudo e trabalho um pouco diferente do nosso e entre tantas mulheres.

A descrição do caso ia revelando nuances cada vez menos coloridos, até compor um quadro horrendo, um borrão cinza. Sua constituição física, já comprometida por algumas debilidades motoras, alem de algum grau de autismo, sofreu, mais que os terríveis abusos sexuais, padeceu de mais violência física, mão e pé quebrados, marcas antigas de queimadura de cigarro, uma contusão facial muito provavelmente produzida por soco. O quadro inspirava profundo cuidado da parte médica pois havia sérios riscos de morte, e um cuidado não menos intenso era demandado dos psicólogos e futuros psicólogos engajados no trabalho.

Mãe conivente com as ações do padrasto. O caso havia sido descoberto por uma assistente social que desconfiava das historias mal contadas pela mãe sobre os ferimentos do garoto.

A face se contraia em uma expressão de desanimo, uma respiração profunda como se uma canseira se apoderasse de mim, uma canseira que não era física, era um desgaste por tantas atrocidades cometidas pelos seres humanos. Não havia uma gota sequer de raiva, nada, apenas um padecimento silencioso, um pesar muito grande por toda a humanidade.

A reunião seguiu, mais alguns casos foram descritos, mais algumas perturbações, mas nenhum havia provocado impressão tão forte quanto a primeira.

Passaram-se 6 dias até que voltássemos às atividades do projeto. Após uma aula de conteúdo desnutrido, vestimos nossas armaduras brancas e transpusemos um pouco de nossos medos, encorajando-se mutuamente, e eu e o Marco seguimos à sala da psicologia hospitalar. Ali a coordenadora sugeriu que visitássemos a criança do terrível ocorrido. Eu e o Marco trocamos um olhar significativo, como se confirmássemos que nossos pentes estavam cheios e o gatilho devidamente destravado para uma missão de assalto, tensos, amedrontados, mas convictos.

O campo era totalmente desconhecido, nem mesmo como chegar na uti pediátrica sabíamos, nem tão pouco se poderíamos entrar.

Depois de alguns corredores chegamos à entrada. Abri vagarosamente a porta, olhando cuidadosamente, reparando se estávamos sobre a mira de alguém e fomos adentrando vacilantes, -e agora torno a narrativa, dos aspectos subjetivos, no singular pq não posso dizer o que havia no universo particular do meu amigo- temendo ser alvejado por alguma reprovação.

Caras inéditas vestiam um jaleco diferente, azulado e de conformação distinta do que trajávamos. Perguntei se precisaria de um daqueles, e me indicaram o armário onde conseguiríamos o par.

Com as mãos devidamente lavadas, inquirimos sobre qual sub-aposento estaria o pequenino. No minúsculo módulo de tratamento estavam algumas pessoas: uma senhora sentada próximo ao leito, dois médicos e talvez uma aluna de anos avançados.

Nos postamos um pouco afastados, temia alguma repressão, mas nem nossos nomes quiseram saber, era como se não estivéssemos ali para eles.

Dali pude ver a criança e...

Meu Deus...

Uma respiração profunda, enquanto sorvia o ar, fechei os olhos com força por alguns segundos, poucos pensamentos se processavam enquanto uma tristeza profunda e desfocada pressionava o peito.

Uns olhos muito expressivos, de um vigor contrastante com sua frágil constituição física, comunicava a sua profunda insatisfação com os procedimentos médicos. Sua mãozinha buscava, em um esforço hercúleo, retirar a mão do medico que tentava uma ausculta em seu abdome, o outro doutor imobilizou o significativo esforço do pequeno, pareciam dois gigantes diante da pequenez da criança. Seus leves quinze quilos denotavam desnutrição, mais um nuance de crueldade, cuja sonda parenteral tentava contrapor.

A criança gemia em seu esforço contrariado, os médicos pouco falavam, a frialdade dos procedimentos talvez tentasse proteger os sentimentos daqueles homens, que apesar de grandes, e de armaduras brancas reforçadas por outras azuis, eram possuidores de sentimentos, duvidas, expectativas, angustias...

Observei mais atento os equipamentos, seguindo as mangueiras que partiam do pequenino até as maquinas ainda desconhecidas pra mim. Nessa observação notei que algum coração sensível por ali estivera, e pacientemente materializou seus bons sentimentos em delicados móbiles feitos com alguns materiais do próprio hospital. Talvez não esteja certo, mas creio que não teriam sido aquelas mãos de gigantes de mascaras apáticas a fazê-los.

Enquanto aguardava a saída dos médicos, na batalha em que me encontrava, a trincheira foi se enchendo de lama, e a umidade foi infiltrando no coturno, gelando pés cansados, de soldado acuado há meses, que começava a se questionar o porquê do absurdo hediondo de combater, o porque da violência, e o porque de responder com ainda mais violência. As palavras de algumas das psicólogas me vieram em mente: “a morte seria pouco para um ser desses” se referindo ao padrasto, e aquilo foi como um vento frio no meu posto lamacento, uma tristeza desolada me cansou ainda mais. Putz, elas são psicólogas, talvez tivessem por dever crer na capacidade de transformação do sujeito, no entanto estavam reivindicando a pena capital para o individuo e sugerindo a tortura, a total desistência da possibilidade de alteração, em que toda a pedagogia é enterrada, sepultada, e em lapide fria grafada em letras raivosas de vingança: aqui jaz toda a humanidade.

Emudecido em minhas reflexões arfantes, me deparai com a ausência dos médicos e a necessidade de fazer algo. Eu estava frente a frente à senhora postada na cadeira para acompanhantes, fronteiriço o leito se estendia entro nós. Cogitei sobre a possibilidade de ser a mãe da criança, mesmo sabendo da conivência da mãe nenhum sentimento de ódio me veio, pelo contrario, padeci da enfermidade mental da senhora, sem os preconceitos da culpa. Creio que culpar seja uma forma limitada e limitante de observar a causalidade dos fenômenos, creio que um universo mais abrangente desponta quando atribuímos responsabilidade e não culpa; a culpa é imbuída de preconceito, é estática e fatalista, geradora de repressão e ódio, mas quando atribuímos a responsabilidade, então a ação é passível de compreensão e, assim, de transformação, validando métodos pedagógicos, validando acreditar na humanidade, validando todo o esforço por melhorar-se e melhorar o mundo. Imbuído desses valores filosóficos me dirigi polidamente à senhora, questionando como ela estava. Claro que a resposta foi uma afirmação categórica sobre estar bem, automática, não havia ali vinculo nenhum de confiança, e por traz dessas afirmativas robóticas estão arames farpados, protegendo o sujeito do outro desconhecido. Questionei se ela seria a mãe da criança, e a resposta foi não, ali estava eu diante da avó, e meu suposto engano me garantiu reflexões pra mim muito acertadas.

Modifiquei meu tom de voz, para algo mais amoroso e gentil e me dirigi à criança, sem saber se minhas palavras seriam compreendidas, mas consciente de que alguma parte da comunicação seria feita, seja pela tonicidade vocal, seja pelas emanações psquicas, ou pelo meu acanhado gesto de carinho que estava ensaiando. Estendi a mão até os cabelos curtos e de diminutas voltas concêntricas decididas do pequenino. Dirigi algumas palavras de estimulo, externei um sorriso limitado, que surgiu sincero, por estarmos ali, todos juntos reunidos, mesmo que sob circunstancias tão sofríveis, um acanhado sorriso por compreender ali estar um espírito em potencialidades infinitas, em um momento de experiência, de lições complexas para todos, mas em estado transitório da caminhada, abstrações semelhantes se formaram sobre os agressores, e uma confiança ainda maior na necessidade de sermos pedagogos humanistas e não chacais vingativos, vigorou em minha mente, e um pouco do desgosto deu lugar a necessidade de trabalho em catalise à transformação do sujeito, trabalho na compreensão da mente inquieta do seres humanos, trabalho em serviço ao próximo.

Um tanto acanhado, sem roteiro algum a seguir, resolvi me despedir. Antes perguntei se teria algo que eu pudesse fazer pela senhora, ela respondeu que não, que apesar de suas dificuldades de estar ali a algum tempo, sem estrutura de alojamento, não havia nada que eu pudesse fazer. Facilitei para que ela falasse um pouco mais, ela disse de suas roupas que eram lavas ali mesmo, do desconforto da cadeira, da sua triste surpresa em vir de tão longe, Curitiba, para enfrentar tal situação. Arrefecido sua fala, me despedi dela e do pequenino, em palavras ternas...

Ao começar me afastar, algo inesperado pra mim aconteceu.

Por entre a pequena grade de tubos de aço em paralelo que circundava a cama, o pequenino estendeu seu delicado bracinho em direção a minha mão; eu aproximei-a, facilitando a sua ação, e em um gesto que creio não se apagará da minha mete, ele abarcou meu indicador com toda sua pequena mão... olhei para o alto, em respiração profunda, tentando conter as lagrimas que eram anunciadas pelos nós na garganta.

Segundos depois ele soltou meu dedo, e dispersou seu olhar. Olhei para o Marco, que ali estivera todo o tempo como soldado cobrindo a retaguarda para o avanço mais seguro, garantindo que eu transpusesse meus medos em ambiente tão desconhecido e situação tão penosa.

Seguimos, sem muitas palavras...

Em casa as lagrimas se fizeram abundantes...